Um mês agridoce em Praia grande - sc
- favettagiovanna
- há 8 horas
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Essa é a série onde eu falo das minhas experiências nas cidades que passei vivendo como nômade. Não é um guia, nem um review, mas um pouco do que fiz no tempo que passei em cada lugar e minhas impressões sobre ele, além algumas dicas de sobrevivência.
É muito provável que você já tenha passado no instagram ou correlatos por postagens de nômades citando as maravilhas incríveis dessa vida, os lugares diferentes, as pessoas legais, comidas etc.
Bom, aqui já adianto que grande parte desses influencers trabalham vendendo seu estilo de vida. Não que realmente não seja muito legal viver viajando, mas nem tudo são flores e é pouco provável que algum deles fale sobre as partes não tão boas (a menos que isso renda likes, é claro).
É muito fácil em uma viagem se desprender da realidade, ficando isolados em uma área turística ou só conversando com viajantes, sem realmente pensar sobre o lugar que estamos. Isso não é necessariamente um problema, é pedir demais que em uma viagem de férias de uma semana você pense sobre a situação sociopolítica do Equador por exemplo.
Porém, o que nós nos propusemos a fazer nesse mochilão foi conhecer o Brasil, que tem muitas partes boas, mas também a encarar uma realidade que nem sempre é tão bonita.
Esse mês nós passamos em Praia Grande, não a do litoral de São Paulo, mas sua xará em Santa Catarina, uma cidade que não é nem grande e nem tem praia, ironicamente.
Essa cidade não estava necessariamente na minha lista de viagem, decidirmos vir para cá pois encontrei no Airbnb um anúncio de aluguel mensal em uma cabana muito simpática. Não é todo anfitrião que aceita aluguel mensal, então quando encontro um anúncio de hospedagem com potencial muitas vezes vale a pena mudar os planos.
Pesquisando melhor descobri que Praia Grande é conhecida como Capital dos Cânions devido ao Parque dos Aparados da Serra, uma enorme reserva ambiental que divide Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Além contar com diversas opções de passeios ecoturísticos.
Toda a pesquisa mostrava que o lugar tinha muito potencial, mas como vocês devem imaginar pela minha introdução não foi essa maravilha toda. Eu poderia trazer só as partes boas de Praia Grande, mas a realidade é que esse foi um mês agridoce, por isso resolvi dividir meu texto em coisas boas 🙂 e nem tão boas 😕. Lembrando, é claro, que esse texto é sobre as minhas experiências e impressões pessoais.
Transporte
Eu não sei dirigir e uber é caro então eu praticamente só ando de ônibus, essa é a sessão onde falo um pouco de como se locomover de transporte público.
A primeira coisa que confirmei sobre minha hospedagem foi se era possível chegar de ônibus. Possível até é, fácil certamente não.
😕 Praia Grande, embora seja uma cidade teoricamente turística (voltamos nessa parte futuramente) é o tipo de lugar pensado quase que exclusivamente aos carros. Existe uma linha de ônibus até lá, ela só funciona durante a semana e não chega a nenhuma capital. Então o transporte consiste em ir até alguma das cidades próximas e pegar outro ônibus, que conta com um horário por dia.
Praia Grande também não possuí sistema de ônibus interno e nem Uber, para chegar ao parque por exemplo só é possível contratando taxi ou transfer das agências credenciadas, de qualquer forma adianto que para quem vier de carro as estradas até o parque são péssimas e o estacionamento é pago.
A Cidade
😕 Praia Grande não é uma cidade voltada para o Turismo na realidade, embora tenha sim uma cadeia de hospedagens, restaurantes e agências voltados ao ecoturismo, seu principal foco é na agricultura.
Quando ouvi isso pensei logo em agricultura familiar, uma feira com produtos frescos, queijos, mel etc. E bom, não, a agricultura nos arredores é quase que exclusivamente de monocultura pra exportação de arroz, milho, banana e criação de gado.
Como uma fã de agrofloresta isso foi bastante deprimente, embora previsível. É o tipo de lugar de extração, onde toda a floresta fora do parque foi dizimada, animais são usados como ferramenta e ponto
Não é o tipo de coisa que se note em uma visita curta, mas ao longo de um mês e algumas andanças é possível perceber quando o um lugar não é feito para quem vive nele. Embora os arredores de Praia Grande sejam basicamente plantação, a comida do mercado vem de locais tão distantes como o Ceagesp em São Paulo e frequentemente estão podres por conta do transporte.
(alerta da gatilho)
A cidade tem uma quantidade enorme de animais abandonados fora os cachorros presos a correntes curtas no quintal, vacas comendo lixo e galinhas em uma situação precária.
Animais malcuidados são um problema pra mim no geral, mas pra piorar a situação uma semana depois de chegarmos apareceu na nossa hospedagem um cachorro com uma corda no pescoço quase morrendo sufocado. Com algum esforço o Mayke conseguiu soltar, realmente acredito que se não tivéssemos visto ele teria morrido dali a poucas horas. Ele estava extremamente magro, mas depois de tirar a corda conseguiu se recuperar, ficou mais alguns dias por ali e depois foi sabe-se lá pra onde.
(fim do alerta)

🙂 A cidade é pequena, mas conta com dois mercados, algumas lojas e uma pracinha central é bem simpática, com restaurantes ao redor. Recomendo ir na loja de chocolates Diana, esses sim produzidos localmente e maravilhosos.
Ao lado da praça o parque municipal conta com um trecho do Rio Mampituba super bonito, por lá é possível fazer churrasco, piquenique e nadar no rio.
Passeios
Nessa sessão eu falo sobre o que fiz no tempo que passei na cidade, geralmente focados em ecoturismo, museus e os rolês mais aleatórios que conseguir encontrar.
O Parque
🙂 O Parque Nacional dos Aparados da Serra é considerado um dos mais antigos do país. Com uma área estimada em 13.000km de área de preservação, que abrange ecossistemas altamente ameaçados como a Mata Atlântica, Floresta de Araucárias e o Pampa Gaúcho. Ele conta com vistas magnificas, com uma imensidão de cânions, cachoeiras e desfiladeiros de 700m de altura, diversas trilhas cortam o parque, passando por cada local.
Ele faz parte de uma área ainda maior denominada Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul, uma região reconhecida como patrimônio pela Unesco.
😕 O local é considerado uma área de preservação permanente e administrado pelo ICMBIO e a entrada era gratuita ao público. Porém, em 2021 o parque foi “concedido” para administração pela iniciativa privada, ou seja, a Urbia (empresa conhecida também por transformar o Ibirapuera em São Paulo em um shopping a céu aberto) atualmente gerencia o parque. O que na prática significa instalar banheiro, placas de sinalização e cobrar R$100 por pessoa a entrada. Na minha terra a gente chama isso de extorsão.
Sinceramente quando descobri isso fiquei em choque. Como é possível uma área pública, um patrimônio do país cobrar uma entrada que o torna completamente inacessível pra grande maioria da população? Lembrando que o valor citado (vigente em abril de 2025, passível de aumento futuro) é por pessoa, ou seja, calcule o valor necessário para uma família de quatro pessoas visitar o loca. Se dependesse de fazer uma viagem exclusivamente para conhecer os parques estaria totalmente fora de questão.
Cânion Fortaleza e Itaimbezinho
🙂 O ingresso que citei dá direito a três entradas no parque no período de uma semana (yay?), nossa primeira visita foi para conhecer os dois principais Cânions.
Fortaleza
Um gigante de 7,5 km de extensão, 2 mil metros de largura e 900 metros de profundidade. Essa área conta com quatro trilhas a do Mirante, Quebra-Cangalha, Pedra do Segredo e Borda Sul. No dia que fomos conhecemos apenas o Mirante, que possuí uma vista panorâmica da região. É recomendável visitar essa região no período da manhã, pois a tarde a névoa sobe e cobre todo o parque. O dia que fomos estava lindo, a enorme cachoeira que saia do cânion era levada pelo vento, formando um arco íris.


Itaimbezinho
Saindo do primeiro e pegando a estrada chegamos à região do Cânion Itaimbezinho, ele conta com duas trilhas: O Vértice, logo no início do cânion, onde é possível avistar a cachoeira da Andorinha e Véu de Noiva e a trilha do Cotovelo, com 8km ida e volta, onde se percorre uma trilha em meio as Araucárias, chegando na borda do cânion.

O parque é certamente incrível, uma sensação de se estar no topo do mundo e pensar nos movimentos tectônicos que levaram àquelas formações impressionantes. Tudo isso é coroado pela visita a casa de uma família que há mais de 70 anos vive na borda do cânion, em uma paisagem que lembra algo saído de um sonho eles mantém uma casinha de madeira, vacas, cavalos, gatos, cachorros e galinhas muito bem cuidados e um pequeno restaurante.
Esse é o tipo de lugar que faz entender a diferença entre a monocultura de extração, voltada exclusivamente pra retirar o que a terra tem, e pessoas que realmente vivem ali e prezam por aquele espaço.
Nós raramente comemos em lugares turísticos, mas aqui fomos obrigados a experimentar o delicioso pastel de pinhão produzido por eles. Também comprei um xale multicolorido feito com lã natural pelo qual estou apaixonada.

😕 Como mencionei no post de organização de viagem, cada estilo de viagem tem seus pontos positivos e negativos. Nós viajamos sem carro, o que por um lado é econômico e mais seguro (eu acho estradas bem perigosas, enfim) por outro nos limita de certas experiências.
Nesse caso a única forma de chegar aos parques seria de carro, pra isso precisamos contratar um transfer da agência e por consequência um guia. Isso acarretou mais um gasto além o ingresso e na presença constante de um monitor conosco. Se por um lado o guia sabia os melhores horário do parque e quais trilhas percorrer, por outro... bem aqui eu peço perdão aos colegas que trabalham com turismo, mas eu sou um tanto avessa a contratação de guias.
Eu entendo que é bom ter alguém que explique sobre a região, porém eu e felizmente o Mayke também, gostamos de fazer as coisas no nosso tempo e somos incrivelmente introvertidos e com uma bateria social baixíssima, o que significa horas de contemplação em silencio, uma experiencia pessoal que talvez não combine com o tipo mais comum de passeio turístico e certamente não combina com o tipo mais comum de guia. Mas é claro que esse é um revés inteiramente pessoal.
Trilha do Rio do Boi
🙂 Essa era a terceira trilha que a entrada do parque dava acesso. São 16km de percurso com nível moderado a difícil, mas chamar de trilha não descreve exatamente o trajeto. Os primeiros km são em meio a mata fechada, porém a maior parte se dá em uma travessia entre cânions, passando pelo rio e caminhos de pedra. No caminho é possível avistar cachoeiras enormes e as paredes do cânion que quase cobrem o céu.
Nessa trilha o guia é inevitavelmente obrigatório, o percurso tem alguns pontos mais perigosos de travessia de rio, então ele explica como fazer essa travessia de maneira segura.

😕 Eu não estava exatamente animada pra essa trilha, acabei indo pra aproveitar o ingresso. Aqui eu confirmei uma teoria já formulada em Florianópolis: O de evitar trilhas que contém pontos turísticos.
Nada contra o conceito de fazer trilhas exclusivamente pra tirar uma foto, esse apenas não é o tipo de passeio que procuro quando me enfio no mato. E dada que essa trilha é o principal ponto turístico da cidade, não é possível em momento algum ter aquele instante contemplativo de parar e ficar em silencio.
Nós demos sorte e fomos em um grupo pequeno de 5 pessoas mais o guia, porém o caminho estava bem movimentado com outros grupos. A trilha é relativamente longa, o que nos leva a precisar fazer um ritmo que, para o meu gosto, é rápido, sem muito tempo de parada em cada ponto.
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A região também conta com outras trilhas que, para quem prefere algo mais vazio e tranquilo como a Rio do Tigre e Churriado, não consegui fazer essas, mas acredito que talvez valha mais a pena.
Serra do Faxinal
🙂 O caminho para o parque passa pela Serra do Faxinal, uma estrada que corta a serra. Decidimos seguir a pé da nossa hospedagem até um mirante e uma cachoeira que encontramos no Google Maps. Acabamos andando 16km pela estrada, pode parecer muito, mas o caminho é bastante tranquilo, são 300m de subida leve margeando fazendas e vegetação nativa.
Quem quiser seguir o endereço é esse daqui. O mirante é muito bonito e é possível entender por que os tropeiros chamaram aquele lugar sem mar de Praia Grande (por ser uma grande área plana e descampada).
A cachoeira é linda e fica em frente ao mirante na estrada, ao lado um bar abandonado que traz um visual muito único ao lugar.
Logo no começo da estrada tem uma estação de tratamento de água, na frente fica um bebedouro com água bem gelada e alguns bancos, ótimo pra descansar e encher as garrafas.
Ironicamente esse foi um dos passeios que mais curti fazer em Praia Grande, foi tranquilo e com uma vista incrível.


Passeio de Balão
🙂 Foi apenas depois de alugar a estádia que descobri que Praia Grande é uma referência no passeio de balão. Sempre achei balões incríveis, mas nunca pensei na possibilidade real de voar em um, por aqui descobri que o Brasil tem vários pontos incríveis de voo de balão.
É verdade que o passeio não é barato, pagamos R$490 por pessoa já com desconto, porém nos explicaram que manter um balão é extremamente oneroso, desde o combustível até a lona especial utilizadas custam caro, então as empresas atuam no limite para terem algum lucro. Diferentemente do roubo do ingresso do parque, esse foi um valor que pagamos sem reclamar.
O passeio começa pouco antes do amanhecer, aqui é importante escolher um dia aberto onde é possível visualizar bem a paisagem. Uma vantagem de se passar muito tempo em cada lugar é a possibilidade de agendar o melhor dia pra cada programa.
Fomos em um dia ótimo, onde o balão subiu até 1km de altitude. Sinceramente uma das coisas mais mágicas que já fiz, ver o sol nascendo no horizonte, os cânions a distância, os balões multicoloridos alçando voo, foi incrível. Também me diverti horrores brincando com minha câmera, descobri que a opção “miniatura” deixa todas as fotos em altitude parecendo uma maquete <3



😕 O passeio em si foi incrível, mas apenas corroborou com a constatação da monocultura da região. Fora dos limites do parque não existe sinal algum de preservação por quilômetros, as áreas aparentemente preservadas são apenas vazias florestas de eucalipto. Sei que essa é a realidade de um Brasil que tá sendo desmatado há 500 anos, mas não deixa de ser deprimente ver a exuberância da floresta nos limites do parque e o tanto que perdemos pra um cultivo predatório.

Bóia Cross
🙂 Recentemente uma agência da região começou a fazer bóis cross no Rio Mampituba e esse posso dizer que foi um passeio que contou apenas com boas experiências.
Ele acontece nos limites da cidade, o instrutor faz algumas explicações rápidas e o grupo é “guiado” no rio abaixo. O passeio é realmente muito divertido, fomos no nível 1 do Rio, o mais baixo e menos perigoso, contou até mesmo com crianças.
O caminho tem alguns trechos de leves quedas, mas em boa parte é possível apenas apreciar a paisagem que é realmente linda.
Considerações Finais
😕 Esse certamente foi um mês de altos e baixos. É claro que grande parte dos reveses se deveu meramente a minha chatice ou mesmo ao azar. Como por exemplo meu fiel notebook de 8 anos parou de funcionar na pior hora possível (em um lugar onde era impossível pedir algo online). Foi apenas graças a perseverança do Mayke de reverter o looping amaldiçoado do Windows instalando o Linux que ele ressurgiu dos mortos.
A hospedagem que ficamos era realmente muito simpática, uma cabaninha de madeira com uma vista incrível dos cânions. Ideal pra um fim de semana, mas com uma infraestrutura que tornava trabalhar e cozinhar complexos, pra dizer o mínimo.
Certamente tudo isso não colaborou com meu humor.
🙂 Porém, esse mês sem dúvida veio com muitos aprendizados sobre a vida nômade. Planejar nossa rotina tem sido um grande desafio pessoal, exige horas de pesquisas, listas e tabelas, muitas tabelas. Com esse mês entendi que muitos destinos, por mais que sejam interessantes ao turismo, não necessariamente vão combinar com nosso estilo de vida.
Eu amo ficar em lugares afastados e no meio do mato, mas talvez não seja a melhor ideia quando estamos sem carro, cheio de bagagem e precisamos estar online no trabalho segunda-feira (não prometo que não vou cometer esse erro novamente).
Mesmo com todos os problemas recomendo que visitem Praia Grande, é um lugar muito bonito, o parque tem uma natureza exuberante e paisagens únicas, voar de balão é maravilhoso. Talvez apenas não seja o tipo de lugar que valha a pena passar o mês, ainda mais sem carro as opções são limitadas.
Se for recomendo tentar ir no verão, a água fica em uma temperatura melhor, é época de reprodução dos andorinhões nos cânions e tudo se enche de borboletas, mas o outono também tem suas vantagens, o clima é mais confortável nas trilhas, a paisagem tem menor incidência de névoa e é possível fazer aquela fogueira legal e assar alguns marshmallows.

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