PT. 1 | Minas Gerais e um mês cheio de ladeiras
- favettagiovanna
- 1 de out.
- 11 min de leitura
Atualizado: 3 de out.

Depois de um mês congelando em Curitiba e uma semana de organização e raiva em São Paulo subimos para Minas Gerais onde seguimos com o mochilão.
Até então eu nunca tinha viajado pra Minas Gerais e tinha muita expectativa. Minha ideia inicial seria conhecer Belo Horizonte e fazer um bate volta até as cidades históricas, mas essa foi a primeira decepção, basicamente isso não é exatamente possível, não de ônibus pelo menos.
Depois de dias de muita pesquisa, navegação por sites horríveis de companhias de transporte, reservas, cancelamentos e algumas lágrimas consegui planejar um roteiro passando por Nova Lima, Belo Horizonte, Mariana, Ouro Preto, São João del Rei e Tiradentes. Isso só foi possível graças a quatro hospedagens, seis ônibus, duas caronas e costas doloridas carregando trinta quilos de bagagem pra cima e pra baixo. (Ufa.)
Nosso primeiro destino, onde nos hospedamos por um mês foi:
Nova Lima
Conhecer Nova Lima não estava exatamente nos planos, ficamos lá pois achamos uma boa opção de Airbnb, mas no final acabou sendo uma boa pedida.
A maior vantagem da nossa hospedagem foi ela ficar no topo de um morro e ter uma vista magnifica para os arredores e a maior desvantagem foi ela ficar no topo de um morro...

Minas é bem reconhecida pelas suas famosas ladeiras, mas talvez Nova Lima extrapole essa medida até mesmo para os padrões mineiros.
Embora a casa fosse a menos de 1km do centro da cidade, tínhamos que subir três ou quatro ladeiras que faziam vários carros descerem de ré. Basicamente toda ida ao mercado ou farmácia se tornou um exercício de resistência que me fazia questionar as razões da existência.
Além as (muitas) ladeiras, Nova Lima é uma cidade interessante. Como pontos altos preciso mencionar a Lamparina, não a de iluminação, mas um doce tradicional da região, que foi uma das melhores coisas que já comi.

Por lá também fomos no Parque do Rego dos Carrapatos, uma área de preservação com uma trilha que percorre vários quilômetros pela mata, passando por pontes e margeando o rio (infelizmente poluído). É um caminho fácil e bem-sinalizado, ideal pra quem não tem tanta familiaridade com trilhas.

A impressão que fica é que Nova Lima é historicamente interessante, os casarões, igreja e aqueduto da parte antiga chamam a atenção, mas são apagados pelo crescimento da cidade. Assim como acontece em São Paulo, a região metropolitana da capital acaba se tornando uma cidade dormitório sem tantos atrativos ou investimento.
A presença da mineração da Vale na cidade também é recorrente, na verdade ela se faz presente em todo lugar que passamos no estado. A possibilidade de um rompimento de barragem é uma constante, seja nas placas de sinalização das possíveis rotas de fuga ou nos testes dos alarmes de emergência, ela tá sempre ali.
De manhã os ônibus passam transportando trabalhadores uniformizados até a mineradora. Fomos durante o inverno na época de seca e uma poeira espessa vinda da mineração cobria tudo, enquanto incêndios ocasionais, não necessariamente relacionados, apareciam ao longe nas áreas de cerrado e pastagem deixando o ar pesado. Era difícil esquecer que ao lado daquela cidade e do cotidiano das pessoas tem um enorme buraco sendo aberto nas entranhas da terra.
Serra da Gandarela
Um dos pontos altos do nosso mês na região foi certamente a trilha pela Serra da Gandarela, um dos últimos espaços ainda preservados frente ao avanço da cidade e das mineradoras. O Parque passa por diversas cidades e se existe foi com muita luta, buscando resguardar principalmente o berço das águas que alimentam Belo Horizonte.
Nós passamos por muitos lugares incríveis até agora na viagem, mas posso afirmar que a Gandarela foi um dos mais impressionantes.
A trilha que percorremos não tinha nenhum tipo de demarcação, na verdade Parque é apenas o nome, não existe infraestrutura como mapas, placas ou bebedouros no caminho. A Seguindo essa página do Wikiloc onde partimos da cidade de Raposo cruzando a Serra e um pedaço da Estrada Real
O caminho não é muito fácil, é preciso tomar cuidado com Motocross e bicicletas, “escalaminhar” subidas de pedra, se enfiar em trechos de Cerrado fechado e tomar cuidado na passagem por rios, que durante a época de chuva acho que seria impossível de atravessar.

Mas ainda assim vale imensamente a pena. Ao longo da trilha as transições entre Mata Atlântica e Cerrado são constantes e demarcadas pela presença dos rios. Do topo dos morros é possível visualizar toda a região metropolitana de BH, matas, cidades, mineradoras e os prédios ao fundo. Um trecho do trajeto é feito no topo de um enorme precipício, seguindo um açude e aquedutos que guiam a água através das árvores.
Vale cada ladeira.
Belo Horizonte
Durante nossa estádia em Nova Lima três ou quatro desses dias foram passados conhecendo Belo Horizonte.
Nós conhecemos muita coisa legal em BH, mas preciso dizer que o saldo final que ficou da cidade para nós foi um tanto negativo. É claro que essa percepção é absolutamente pessoal e baseada nas nossas experiências.
Grande parte dessa sensação é devido ao transporte, tanto em Belo Horizonte como na região metropolitana se locomover de ônibus é caro e difícil, o pior de todas as cidades que fomos até agora.
A região metropolitana utiliza um cartão que ironicamente tem o nome de Ótimo, nós passamos o mês tentando adquirir e carregar esse cartão e era praticamente impossível.
Enquanto em Belo Horizonte em si nós pegamos o cartão da cidade, mas usamos muito pouco. Para chegar nos lugares mais distantes era mais rápido e barato se locomover de Uber do que de ônibus.
Nem mesmo os apps que costumamos usar em outras cidades como o Moovit e Maps davam conta do caos do transporte urbano, frequentemente os horários não batiam e os ônibus passavam reto na parada sem nenhuma explicação.
Outro ponto complicado da cidade é a enorme quantidade de moradores de rua de Belo Horizonte. É óbvio que São Paulo tem muito mais pessoas em situação de rua, até porque isso é impossível de superar, mas a porcentagem em relação ao número de habitantes ultrapassa e muito a capital paulista.
Acredito que quando moramos em grandes centros passamos a normalizar essa situação, mas eu saí da cidade, dentre muitos motivos, justamente por achar esse tipo de pobreza extrema inadmissível. Fora a questão da segurança, se eu estivesse sozinha jamais percorreria aquele centro depois das 5 da tarde.
Se já somos um tanto bichos do mato e nem tão fãs assim de grandes cidades, em Belo Horizonte especificamente a sensação que ficava ao final de cada dia, mesmo conhecendo tanta coisa interessantes, era de um imenso cansaço físico e emocional. Basicamente uma São Paulo, mas onde não estamos tão acostumados a insalubridade cotidiana.
Ainda assim nosso roteiro por BH foi bastante interessante, a cena cultural da cidade é rica e tem muita coisa pra conhecer. Vou listar a seguir o que mais curtimos:
Fábrica de Doces Padre Eustáquio

O começo da nossa andança por BH não poderia ser mais mineiro do que uma busca por uma loja de doces.
Meses atrás eu passei por um vídeo nas redes sociais mostrando uma portinha escondida em Belo Horizonte onde ficava a loja da Fábrica de Doces Padre Eustáquio. O vídeo mostrava tachos de doce de leite, cocada e todo tipo de doce mineiro da melhor qualidade, eu fiquei com água na boca e deixei o endereço guardado esperando nossa passagem pela cidade, sinceramente foi um dos melhores lugares que fomos. Saímos de lá com sacolas abarrotadas do melhor doce mineiro por ótimos preços, além um queijo canastra divino. Nesse ponto Minas Gerais só comprovou sua fama.
Mercado Municipal de Belo Horizonte
Ainda no quesito comida um ponto clássico de turismo na cidade é o Mercado Central de BH.
Nossa viagem mostrou que mercados centrais das capitais tendem a ser um passeio interessante, mas raramente um bom local de compras (o de São Paulo com seu infame golpe das frutas que o diga).

Os bares e restaurantes dentro do mercado estavam superlotados mesmo com preços exorbitantes. Compramos queijos e doces nas bancas menores onde os preços estavam aceitáveis, mas nada surpreendente.
Porém a sessão de animais me deixou um tanto desconcertada e admito estragou um pouco o passeio pra mim. Um corredor inteiro abarrotado de animais a venda em gaiolas minúsculas, claramente malcuidados, com um barulho ensurdecedor. Sinceramente não sei como ainda permitem isso.
Lagoa da Pampulha
Em Curitiba eu decidi que não carregava peso o suficiente que sentia falta dos meus patins e adicionei um par a mochila de viagem.
Com isso cada nova cidade que chegamos eu busco bons lugares pra patinar e de quebra conhecemos espaços diferentes da cidade. Em BH percorri vários bons quilômetros na orla da famosa Lagoa da Pampulha.

O passeio foi muito divertido, até porque eu amo andar de patins e a ciclovia é ótima, mas a paisagem em si é um tanto deprimente. Embora o parque linear seja um espaço interessante cheio de capivaras e pássaros a Lagoa em si é bem poluída em uma vibe meio rio Pinheiros.
Feirinha Hippie

Aos domingos acontece a Feira Hippie, a maior e mais famosa da cidade. Uma avenida inteira é ocupada por bancas que vão desde comida a roupas, sapatos e artesanatos de todos os tipos.
Um ótimo lugar de compras e que merece um dia inteiro de exploração.
Show Valencianas
A agenda cultura de BH é bastante rica e sempre vale a pena dar uma olhada quando visitar a cidade. Durante a nossa estádia demos a sorte de ver um show ao vivo da Orquestra de Ouro Preto com Alceu Valença em plena praça pública.
Rota cultural
A maior parte das nossas paradas foi conhecendo os museus da cidade, nesse ponto devo dizer que Belo Horizonte tem vários ótimos museus, vou listar os que mais gostei:
Museu das Minas e dos Metais Entrada Gratuita Um enorme prédio centenário no centro da cidade que abriga uma vasta coleção de pedras e conta um pouco da história da mineração no estado. Os espaços são bem interativos e o acervo é realmente muito interessante, cada andar foca em um tipo de ambiente e traz minérios do mundo inteiro. No terraço é possível ter uma vista ampla da cidade.
Museu de Ciências Naturais PUC Minas R$25 no combo com o Planetário Fica um pouco afastado do centro e o acesso não é lá muito fácil de ônibus, mas vale a pena o passeio. O acervo de fósseis é imenso contando com dinossauros, preguiças gigantes e enormes baleias. Eu pude encostar em um morcego e em um trilobita do acervo, impossível ficar triste depois disso. A única frustração foi o planetário, participamos de uma sessão de Astronomia Indígena que parecia interessante, mas acabou sendo mais voltada ao público infantil, talvez por conta da época de férias. É um programa bem legal para as crianças, mas a faixa etária deveria constar na divulgação das sessões.
Espaço de Conhecimento UFMG Entrada Gratuita Outro que fica consideravelmente afastado do centro, mas ao menos próximo a uma das poucas estações de metrô da cidade. É uma área grande com trilhas e diversas exposições em um espaço pertencente a UFMG. Meus lugares favoritos foram a exposição de cartografia em um casarão antigo, o prédio de arqueologia que reúne achados de sítios de Minas Gerais e a trilha logo na entrada que leva a árvores centenários. Um bom passeio e o espaço é lindo, uma pena que se encontra um pouco abandonada, muitos prédios fechados ou que precisam de uma reforma.
Museu de artes e ofícios Entrada Gratuita Falando em metro o Museu de Artes e Ofícios é literalmente cortado ao meio pela estação central da cidade em uma mistura de antigo e novo que funciona muito bem. Eu nunca havia pensado em um museu voltado a preservação de ofícios e esse me mostrou o quão interessante uma coleção assim pode ser. O lugar é imenso e precisa de tempo pra ser explorado, cada área trás artefatos, relatos e reconstruções de inúmeras profissões que existiram ao longo dos séculos. Um olhar único ao cotidiano de outros tempos e um enorme aprendizado.
Centro de Arte Popular Entrada Gratuita Este fica na região central, mas um pouco afastado da Praça da Liberdade onde acontece a maioria dos programas culturais da cidade. O prédio reúne um grande acervo de arte popular. São vários andares com esculturas, pinturas, xilogravuras e tapeçarias fantásticos de vários artistas Mineiros.

Os museus foram bem interessantes, mas algo que percebi e achei bastante incomodo foi o baixo público. Talvez pela divulgação ruim ou pela falta de apelo nas redes sociais, grande parte desses museus se encontrava bizarramente vazio, mesmo contando com um acervo impressionante e entrada gratuita muitas vezes nós éramos os únicos visitantes em pleno fim de semana. Um choque depois do imenso público que vimos em todos os espaços culturais de Curitiba por exemplo.
Inhotim
Além as andanças por BH eu queria encaixar na nossa passagem por Minas uma visita ao Inhotim, o maior museu a céu aberto na América Latina localizado na cidade de Brumadinho. Conhecer o Inhotim era um sonho desde que comecei a planejar essa viagem, porém admito que os custos e a logística de transporte quase me fizeram desistir.
Primeiro os valores. Atualmente a entrada do Inhotim para um dia está R$60 + R$40 pelo carrinho interno opcional. Existe um transporte oficial do museu saindo de BH que custa por volta de R$130 ida e volta, além os R$10 de passagem de Nova Lima - BH. Fazendo as contas nós gastaríamos um total de R$500 para visitarmos um museu, basicamente 1/3 de um salário-mínimo em um único passeio.
Imagino que pra muita gente esse seja um valor aceitável, mas eu tendo ou não esse dinheiro pra gastar (e eu não tenho) isso me parece completamente absurdo. Ainda assim eu decidi ir, mas fazendo isso do meu jeito.
Primeiro planejei com um mês de antecedência para irmos no dia gratuito, que mesmo em plena quarta-feira é incrivelmente concorrido. (O último domingo do mês também é gratuito e ainda mais lotado).
Quanto ao transporte, descobri um ônibus municipal que faz o caminho BH-Brumadinho por R$11 a passagem ( o 3788). No final o passeio custou R$100, 8 horas no transporte e uns 15km de caminhada, incluindo uma passagem levemente insalubre por dentro de uma mineradora.

Afinal, valeu a pena?
Bem, o Inhotim é realmente magnifico, as galerias de arte incrustradas no meio da mata, com trilhas, lagos e jardins cria um visual realmente único. Um lugar completamente surreal, como nenhum outro.
Como fomos no dia gratuito tudo estava ridiculamente lotado, as principais galerias tinham filas quilométricas que nos fizeram dar meia volta. Sei que parece um pouco frustrante, mas preciso lembrar que nós adoramos andar no mato e o Inhotim é um prato cheio nesse caso.
Aqui preciso salientar que é impossível conhecer o espaço em um único dia (o que aumenta ainda mais aquele primeiro orçamento exorbitante). Por isso escolhemos sabiamente qual caminho seguir, optamos pela rota laranja passando por todos os jardins e trilhas no caminho e em algumas galerias menos lotadas.
Eu adorei cada segundo, foi realmente como entrar em outro mundo, mas eu faria toda essa saga de novo? Admito que não, e nem é pelo risco do Mayke me dar uma tij0lada.
A realidade é que o Inhotim é um passeio elitista, é verdade que não posso reclamar visto que é um espaço privado (com muito patrocinio e isenção fiscal), mas ele reflete grande parte do acesso a cultura no Brasil.
É um espaço que só poderia existir aqui, mas ao mesmo tempo é totalmente descolado da realidade, e serve pra escancarar de um jeito que beira a ironia essas inconsistências.
Há um dia gratuito? Durante a semana e extremamente concorrido*. Dá pra chegar de ônibus? Com um valor exorbitante ou caminhando o equivalente a um esportista. Tudo isso pra entrar em galerias que falam sobre a desigualdade, colonialismo e ver a pouca natureza mineira que não foi destruída pelas mineradoras.
Dito isso eu não desaconselho o passeio, o Inhotim é, assim como todo Brasil, um espaço agridoce, equilíbrio constante de uma beleza que grita nossas desigualdades, mas que merece ser explorado.
Esse foi o nosso um mês entre Nova Lima, BH e Inhotim. No começo de agosto partimos pra jornada entre as cidades do interior de Minas, mas esse post já ficou gigante então precisei dividir ele em duas partes.
Continua em -> Minas Gerais e uma saga (de ônibus) pelas cidades históricas












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