PT. 2 | Minas Gerais e uma saga (de ônibus) pelas cidades históricas
- favettagiovanna
- 1 de out.
- 10 min de leitura
Atualizado: 14 de out.

Esse post é a continuação do “Minas Gerais e um mês cheio de ladeiras” onde falo das nossas desventuras mineiras durante o mochilão.

Mariana
Saindo da nossa hospedagem nas ladeiras de Nova Lima, seguimos rumo a Mariana, nosso primeiro destino do itinerário pelas cidades históricas de Minas.
Novamente essa escolha se deveu não a um interesse prévio, mas pela disponibilidade de estádia, já que nosso plano inicial seria passar uma semana em Ouro Preto. No final essa essa se mostrou a melhor das escolhas, Mariana é um lugar muito interessante (e Ouro Preto foi pra lá de frustrante, enfim).
Passamos curtos 3 dias na cidade hospedados próximos ao centro histórico (conhecendo o centro nos intervalos do trabalho).
No domingo, assim que chegamos, paramos em um bar no centro com samba ao vivo, bem ao lado da Catedral da Sé. A música estava ótima e segundo o Mayke a cerveja também.
Nos outros dias fomos conhecer o centro histórico. Subimos o morro até Igreja de São Pedro dos Clérigos, pagamos R$5 para ver o interior belíssimo e podermos subir até o sino. Essa foi uma das igrejas mais legais que visitamos, a subida até a torre tem um visual lindo da cidade e no caminho é possível ver os “bastidores” da construção da igreja, entendendo melhor sobre a arquitetura do espaço.

Falando em Igrejas também entramos na Catedral Basílica Nossa Senhora da Assunção, uma das mais antigas do estado localizada na praça central da cidade. O interior é lindo e cheio de peças históricas.
No tempo que sobrou fomos na Casa de Câmara e Cadeia, um museu localizado na Praça Minas Gerais onde hoje funciona a câmara e localizado nas instalações da antiga cadeia. O prédio é muito bem conservado, com artefatos que remetem a seus tempos de presidio e diversas informações e artefatos históricos, a entrada é gratuita.
Por último conhecemos o Museu de Mariana, ele fica em uma antiga casa colonial transformada em museu e conta um pouco sobre a história da cidade. O lugar é muito interessante e as instalações são bem legais com uma mistura de novo e antigo que funciona muito bem. Porém pagamos R$10 a entrada, o que parece justo quando não se leva em conta que o local tem patrocínio da Vale e ainda assim cobra entrada.

Na quarta-feira pegamos um ônibus para Ouro Preto. Até poucos anos existia uma linha de trem que fazia esse trajeto, porém ela foi desativada pela Vale por “motivos financeiros”, como vocês podem ver a Vale passa por sérios problemas monetários embora explore minério de um estado inteiro.
Ouro Preto
Talvez essa seja a seção mais polêmica do diário de viagem. A realidade é que eu tinha muitas expectativas pra conhecer Ouro Preto. Uma cidade mergulhada em cultura, história e boa comida que sintetiza Minas Gerais.
E bom, realmente acho que ela era assim, até uns anos atrás.
Nossos 5 dias em Ouro Preto foram bastante frustrantes sendo sincera.
A cidade vive um boom de turismo sem comparação às outras cidades mineiras. Acredito que muito disso seja impulsionado pelas redes sociais, nas minhas pesquisas sobre o que visitar nas cidades históricas 80% dos resultados indicavam locais em Ouro Preto. Milhares de vídeos de influencer com fotos super editadas em frente a prédios históricos, comendo em restaurantes caros e indicando passeios superfaturados.
É um turismo massificado, voltado pra fotos em pontos chave da cidade pra participar de hashtags no Instagram, sem aprofundamento histórico e que inflaciona e lota tudo na cidade.
Começando pelas igrejas, todas elas cobram uma taxa de entrada, se antes era algo simbólico na faixa dos R$2 ou R$5 para ajudar a manter o espaço, hoje chega na casa dos R$20, conhecer as principais igrejas do centro pagando inteira custaria por volta de R$100 por pessoa. É verdade que é possível visitar as igrejas gratuitamente no horário da Missa, mas isso é no mínimo inconveniente, além atrapalhar a fé alheia.
Um dos nossos objetivos no itinerário nas cidades mineiras era retirar o Passaporte da Estrada Real. Estrada Real é o caminho que ligava as cidades até o litoral na época do império e hoje é possível refazer esse trajeto, o passaporte é um livreto que funciona como guia e onde é possível carimbar as páginas de acordo com as cidades visitadas.
Infelizmente não conseguimos retirar o passaporte. Tentamos em Mariana, mas eles não tinham disponível, fomos duas vezes no distribuidor de Ouro Preto e logo pela manhã já tinha esgotado.

Ironicamente, mesmo com esse aumento turístico grande parte dos museus e algumas igrejas estavam fechados pra visitação. Na verdade, esse foi um problema recorrente ao longo de toda a viagem, muitos lugares, em diversas cidades, fechados pra reforma ou restauração. Parecia que Minas estava de férias.
Já a alimentação foi certamente o ponto mais complicado durante nossas andanças por Ouro Preto. Se no dia a dia fazemos compra e comemos em casa, durante o fim de semana esperávamos ao menos um almoço com uma boa comida mineira por um preço razoável e isso só não foi possível.
Olhamos o cardápio de praticamente todos os restaurantes do centro (visto que estávamos sem carro, não tinha como comer em um lugar afastado), nenhum almoço sairia por menos de R$100. Chegamos no ridículo de ver um simples macarrão alho e óleo por R$63, no final desistimos e comemos em uma pastelaria na parte baixa da cidade.
O que salvou um pouco foi a recomendação do nosso anfitrião de um empório na esquina da hospedagem. Uma pequena lojinha de um produtor de queijos e doces que ainda cobravam bons preços. Passamos 5 dias afogando as mágoas em queijo minas e geleia, ainda levamos um tanto na mala.

Livraria Outras Palavras Mesmo com toda a enorme dor de cabeça o centro de Ouro Preto teve sim seus pontos altos. Preciso começar destacando o meu peculiar lugar favorito que foi a livraria Outras Palavras.
Lá conheci o trabalho de Guilherme Mansur, um poeta e tipografo ouropretano já falecido, mas que fiquei fascinada pelo trabalho espalhado pela livraria. Sua esposa me contou um pouco de sua trajetória e me presentou com um catálogo de sua exposição o que fez meu coração de designer pular de emoção.
A vida de nômade tem muitos momentos cansativos, mas conhecer o trabalho de pessoas únicas, que falam tanto sobre um lugar e que nos conectam com ele é o que mais faz valer a pena.

Café da escadinha Pra não dizer que não comemos em lugar nenhum do centro histórico fomos no Café da Escadinha, onde pedimos um waffle de pão de queijo com cream cheese e doce de leite, um chocolate quente e uma cerveja. Tudo estava ótimo e o preço justo. Além disso o café tem uma ótima vista da cidade

Museu do Orátório Entrada: R$8
Um pequeno museu com exposição de diversos oratórios, grande e pequenos, com grande importância histórica. São peças de arte muito bonitas, que falam sobre a fé e arte popular, vale a visita.

Museu casa dos contos Entrada: Gratuita
O nome desse museu me levou a acreditar se tratar de algo relacionado a literatura e história. Mas na verdade se trata de um museu monetário, onde antes funciona a antiga fundição da cidade e a casa de um rico negociante português.
É um lugar muito interessante de visitar, toda a história monetária é bem legal, além o edifício em si estar muito bem conservado e ter lindos detalhes do barroco e rococó mineiro.
Saindo na parte de trás do museu existe um parque que corta a cidade, é um caminho tranquilo e muito bonito, que passa por jardins e cachoeiras.
Porém, uma parte bastante incomoda é o subsolo do prédio onde ficava localizada a senzala. Enquanto todo o restante do edifício conta com placas descrevendo detalhadamente sua história, a senzala não tem nada, nenhum contexto ou conscientização do que ocorria ali, parece apenas um mero porão.
Na realidade essa é uma falha que sinto em grande parte dos museus que passamos, categorizar e problematizar a escravidão como ela realmente foi: o sequ3stro, m0rte e vi0lência sistematizada de milhões de pessoas que construíram a economia dessa país. Por mais que eu goste de locais históricos essa é uma questão que permeia a maioria deles e é sempre uma pedra no sapato.
Casa de Gonzaga Entrada: Gratuita Em frente a famosa Feirinha de Pedra Sabão fica a Casa de Gonzaga. Uma casa barroca histórica muito bem conservada transformada em museu, quando fomos o lugar abrigava uma exposição superinteressante sobre arte africana. A janela tem uma vista linda da catedral de São Francisco de Assis, na verdade grande parte dos turistas se amonta na varanda pra conseguir a foto perfeita em frente da igreja.
Parque Cachoeira das Andorinhas
Quem imaginaria que minha coisa favorita de uma cidade seria o parque natural e não a cidade? Isso nunca aconteceu antes não é mesmo?
Pois depois de passar várias raivas no sábado, descendo e subindo ladeiras e desviando de hordas de turistas, domingo decidimos ir andar no mato e pegamos um ônibus até o Parque das Andorinhas que fica nos limites de Ouro Preto.
O lugar é incrível, foi só ali que comecei a me sentir no interior de Minas. Com as montanhas alaranjadas no horizonte, cachoeiras vermelhas e pássaros.
O Parque tem diversas trilhas, fizemos as 3 mais curtas por estarmos com pouco tempo. A vantagem da trilha fácil é que ela é fácil, a desvantagem...é que ela é fácil, o que inevitavelmente significa caixas de som e conversa alta.
Ainda assim, ignorando o amiguinho sem noção, foi um dia incrível. Visitamos uma cachoeira dentro de uma gruta e a parte de cima de uma gigantesca queda d’agua em um precipício.
Tudo deslumbrante.

São João del Rei e Tiradentes
Aqui eu poderia dizer que nós pegamos um ônibus de Ouro Preto a São João del Rei, mas isso não seria bem verdade. Não existe nenhuma conexão de ônibus entre as cidades históricas mineiras, o melhor caminho seria voltar a BH e de lá pegar um ônibus pra SJDR, o que daria o mesmo preço do translado entre São Paulo – Curitiba.
Perceba como isso não faz sentido algum
A realidade é que durante todo o tempo que nós estivemos em OP eu não fazia ideia de como iriamos chegar até a próxima hospedagem. Pra não dizer que era impossível daria pra ir pegando 3 ônibus: Ouro Preto – Conselheiro Lafaiete – Barbacena – São João del Rei, o que levaria em torno de 8 horas, já que os horários desses ônibus não necessariamente coincidem, e custaria R$240.
Por um milagre do universo nós conseguimos um Bla Bla Car que nos ajudou demais e levou até Barbacena, isso diminuiu o custo pra R$140 e o tempo do translado pra 5 horas.
São João del Rei é uma pequena cidade grande. Pequena se comparada a capitais, mais enorme quando se veem das pequeninas cidades históricas.
Embora seja vista como a “irmã feia” de Tiradentes ela não deixa nada a desejar. O centrinho é adorável com belíssimas igrejas e museus.
Por lá nós conhecemos o Museu Ferroviário, um espaço muito conversado com diversas peças da época do império e locomotivas em funcionamento. Pensamos em fazer o translado SJDR-Tiradentes de trem, um dos poucos ainda em funcionamento no Brasil. Porém o valor de R$87 por 40 minutos de viagem desanimou bastante.

Uma das melhores surpresas de SJDR foi a ADRO +, uma mistura de centro cultural, com museu, café e hospedagem. Gostamos demais do espaço e ficamos com vontade de retornar à cidade só pra poder nos hospedarmos naquele casarão antigo e fazer uma aula de cerâmica.
Foi também na ADRO que nos indicaram o chorinho no Alquibeer, uma cervejaria logo em frente. Como chorinho se imagina um grupo pequeno com uma viola, mas não poderia ter subestimado mais. Nós nos sentamos e pedimos uma tábua de queijo muito bem servida por inacreditáveis R$36, Mayke experimentou algumas cervejas da casa que, segundo ele, são algumas das melhores que provou ao longo da viagem.
Logo começam a chegar músicos com violões, trompete, pandeiro, castanholas e até mesmo um violino. Acredito que eles saíssem do conservatório próximo e iam direto ao bar. Ficamos curtindo a música totalmente inacreditados, era não apenas uma simples música ao vivo, mas um show completo com músicos incríveis.
Foi um daqueles dias que ficam na nossa memória.
Impossível ficar triste com uma tábua de queijo e música boa
No sábado fomos até Tiradentes.
De ônibus? De trem? De carona? Claro que não, fomos a pé.
O Mayke vive me zoando que eu sou um cachorro que precisa de caminhadas constantes pra ficar feliz e eu não consigo contradizer quando faço escolhas como percorrer 10km de serra na base da trilha.
Nós saímos de SJDR as 8h da manhã e fizemos a Travessia da Serra de São José, uma caminhada que percorre a trilha do carteiro até o topo da Serra e corta até chegar na cidade de Tiradentes. Seguimos por esse WikiLoc e deu super certo.
Ainda que pareça um tanto insalubre eu adorei o trajeto. A vista de cima da serra é única, com uma visão panorâmica das cidades ao redor, entrecortado pelo Cerrado e caminhos feitos unicamente de Quartzo branco. Foi extremamente cansativo, mas valeu muito a pena.
Nós chegamos a Tiradentes as 14h mortos de cansaço. Fomos durante o festival Comer e Beber, um dos maiores da cidade. Foi um tanto surreal sair de uma trilha na serra e entrar em uma cidade lotada. Mas mesmo com toda comoção do evento, diferentemente de Ouro Preto, ainda encontramos onde comer por um valor acessível.
Por causa do trajeto nossa passagem por Tiradentes foi curta, mas bem aproveitada. Conhecemos o centro histórico e entramos em algumas igrejas e passeamos nas lojinhas de artesanato.

Uma nota especial pro meu lugar favorito o Instituto Rounaet, é um pouco estranho citar um lugar tão simples em Tiradentes que é uma cidade com tanto pra conhecer, mas ele deixou meu coração quentinho nos detalhes. Com uma biblioteca imensa, um pátio interno e uma exposição de arte incrível, é o tipo de lugar que moraria nos meus sonhos mais otimistas.

Já de noite pegamos um ônibus de volta a nossa hospedagem em SJDR e fomos descansar e organizar nossas malas pra viagem do dia seguinte.
E esse foi o final da nossa saga pelas cidades mineiras. Depois de dois meses de correria, planejamento e algumas lágrimas pegamos um bla bla car até nossa próxima hospedagem em Teresópolis, onde teremos um tão merecido descanso.
Por maiores os percalços acredito que o saldo final dessa temporada tenha sido positivo. Minas Gerais foi uma cidade cheia de autos e baixos (risos). Sim ela é linda, tem paisagens magnificas e uma comida excepcional (na verdade a comida foi de longe a melhor parte). Mas o cansaço de conseguir fazer tudo funcionar viajando de ônibus tirou muito da magia de conhecer Minas.
Isso nos fez considerar seriamente parar a viagem e nos planejar pra seguir ela de carro. Isso traria uma enorme dor de cabeça é verdade, mas a beleza de Minas é tão grande que nos fez ter vontade de voltar com mais paciência, tempo e liberdade, pra conhecer tudo o que ela tem a oferecer.














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