Um mês salgado em Arraial do Cabo
- favettagiovanna
- há 7 dias
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Essa é a série onde eu falo das minhas experiências nas cidades que passei vivendo como nômade. Não é um guia, nem um review, mas um pouco do que fiz no tempo que passei em cada lugar e minhas impressões sobre ele, além algumas dicas de sobrevivência.
Depois de um mês tranquilo mochilando por Teresópolis, seguimos viagem rumo ao litoral do Rio de Janeiro e passamos um mês conhecendo Arraial do Cabo.
Eu tinha bastante expectativa pra conhecer a Região dos Lagos, nosso Airbnb ficava em um ponto interessante entra a Laguna de Araruama e o mar e eu estava morrendo de saudades da praia.

Porém, preciso admitir que esse mês foi um misto de descobertas muito legais e várias frustrações.
A realidade é que nosso estilo de mochilão é bem peculiar. É claro que eu curto belas praias, mas isso é legal nos dois primeiros dias. O que faz eu me apaixonar por um lugar é descobrir coisas novas, sejam sobre a natureza, a arte, a história ou as pessoas dali.
Além disso, a qualidade de vida na região faz total diferença na percepção geral que criamos sobre o lugar. Como nômades nós literalmente moramos nas cidades por um mês, por isso tendemos a gostar mais de lugares com uma melhor qualidade de vida do que lugares altamente turísticos.
Esse foi o motivo que nos fez adorar Teresópolis por exemplo. Uma cidade que, não à toa, aparece entre os melhores do país nos índices de qualidade de vida e ao mesmo tempo conta com uma natureza exuberante a ser explorada.
Admito que talvez nossa estadia pregressa em Teresópolis tenha afetado nossa percepção sobre a Região dos Lagos. É gigante o contraste de uma cidade feita em função das pessoas para uma feita em função do turismo.
É claro que Arraial / Cabo Frio são lugares lindos e que valem a visita. Mas nesse Diário de Viagem vou falar tanto sobre as coisas incríveis que vimos por lá, quanto àquelas que azedaram um pouco nossa estádia.
Começando pelos arredores, como visitantes de longo período nós tendemos a nos hospedar em bairros mais residenciais nas cidades que visitamos.
Dessa vez ficamos em um bairro a cerca de 20 minutos do centro, uma mistura de moradia e casas de veraneio vazias. Embora não fosse tão longe a ponto de se considerar um lugar remoto, o lugar tinha uma falta crônica de serviços básicos. A avenida principal por exemplo conta com 8 igrejas, 3 adegas, 2 farmácias e 2 lojas de material de construção. O único mercadinho do bairro é caro e com um hortifruti cheio de coisas podres.
Falando sobre a Arraial do Cabo em si, fora as praias e alguns restaurantes superfaturados, não existem muitas opções de lazer na cidade, nem voltada aos turistas e nem aos moradores. O único parque da região está completamente abandonado, com esgoto despejado no lago principal.
Além disso os relatos de violência são preocupantes. Como de costume quando chegamos fomos pesquisar as trilhas disponíveis nos arredores da cidade, mas o que achamos foram notícias um tanto assustadoras sobre avistamento de pessoas armadas em áreas remotas e o caso de uma turista de Florianópolis vítima de l4tronicio em 2018.
Por segurança esse mês preferimos não arriscar em trilhas mais remotas e nos ativemos a região litorânea. Ironicamente também tivemos alguns problemas nesses caminhos, mas com o exército dessa vez.
Fica claro no tempo que estivemos por Arraial que o único turismo disponível e incentivado é o predatório, que foca em festas, passeio de buggie e barcos com open bar, uma “curtição” que ignora totalmente o ambiente em função de uma diversão sem obrigações. *
*Também existe o turismo de mergulho, que tem como proposta base respeitar o ecossistema da região, mas convenhamos que não é algo bastante nichado.
É claro que tudo isso foi bem incomodo, mas o que realmente nos atrapalhou esse mês foi o transporte. Viajando sem carro nós dependendo inteiramente das opções de ônibus da região e em Arraial isso foi praticamente inviável.
Chegamos ao cúmulo de esperar 3 horas no ponto pelo único ônibus que atravessava o litoral da cidade e mesmo com o itinerário da empresa confirmando o horário, ele simplesmente não passou. Nesse dia só desistimos e voltamos pra casa.
Sinceramente, beira o ridículo a REGIÃO DOS LAGOS não ter um transporte hidroviário. Eu adoraria ter conhecido as cidades do outro lado da lagoa, mas era simplesmente longe demais.
Por conta de tudo isso (e mais um pouco) os relatos desse mês vão se ater aos lugares que conseguimos chegar de ônibus e os que pareciam mais tranquilos e seguros de se visitar.
Ponta da Acaíra
Um dos locais mais legais que fomos em Arraial foi a Ponta da Acaíra, também chamada de Arubinha pelos turistas. Uma ponta de areia que entra quilômetros dentro da Laguna de Araruama e tem características únicas.
O lugar é sim magnifico e rende fotos incríveis, porém eu gostaria de sair um pouco do visual instagramável e das hashtags pra falar da minha parte favorita que é o contexto histórico da região.

Primeiro sobre a *Laguna de Araruama, ela é a maior laguna hipersalina em estado permanente do mundo, isso significa que ela é mais salgada do que o mar e tem impressionantes 220 km², englobando várias cidades no seu entorno (e nenhum transporte hidroviário).
*Esse mês eu também descobri que Lagunas são de água salgada e Lagoas de água doce.
Essa é uma região que foi explorada desde os tempos do império, os Portugueses invadiram o que hoje é a Região dos Lagos e começaram uma intensa extração de sal, movimentada por pessoas escravizadas. Esse sal alimentava todo o Brasil e era exportado pra Europa.
Nós andamos por vários lugares onde foi possível ver os resquícios dessas salinas, porém na Ponta da Acaíra é onde elas estão mais bem preservadas. Assim como as ruínas dos armazéns de sal, os trapiches dos barcos que transportavam esse material e os moinhos d’agua.


Infelizmente “Arubinha” foi tomada por turistas que pagam fortunas pra ir até a ponta em Buggies e todo esse contexto é completamente ignorado. Praticamente não existem placas que indiquem a relevância histórica da região e nós só descobrimos por que ficamos fascinados pelas salinas e fizemos uma pesquisa online sobre o assunto. (além termos a disposição de andar 10km ida e volta).
Sinceramente é extremamente desrespeitoso o apagamento dessa história. Além o óbvio impacto que esse turismo de massa tem no ecossistema único da área, a história do sal fala muito sobre o Brasil. Não é aquela história política da escola, mas a do cotidiano, das pessoas que trabalhavam ali e mereciam ter suas vidas registradas.
Lá em São Pedro da Aldeia tem o Museu do Sal, o único local que registra essa história. Infelizmente não conseguimos visitá-lo de ônibus, mas parece muito interessante. (já falei que não existe transporte hidroviário?)
Ilhota de Massambaba
De onde ficamos hospedados nós fomos a pé até a Ilhota de Massambaba.
Assim como o Pontal de Acaíra Massambaba é outro caminho de terra que adentra a Laguna de Araruama por vários quilômetros.
A ilhota é uma pequena porção de terra na Laguna com uma árvore no topo, próxima margem é possível chegar caminhando até ela. O visual é lindo, me lembrou aquelas cenas de filme em que o protagonista chega ao fim do mundo e se depara com uma paisagem desértica meio surrealista.

Na volta entramos em uma trilha e seguimos pela restinga pois queríamos fotografar os pássaros. Foi lá que tivemos a incrível experiência de sermos parados por um carro do exército, pois aparentemente ali é área militar.
A pergunta é: nós pulamos alguma cerca? Ignoramos alguma placa de aviso? A resposta pra todas é não, não tinha nenhum tipo de aviso que aquela área era proibida. Recomendo cautela ao caminhar pela região.
Centro de Arraial
Pegamos um dia pra conhecer o centro de Arraial e suas praias.
Como eu mencionei, os relatos de violência fizeram com que várias trilhas da região fossem abandonadas, encontramos pouquíssimos registros de caminhos feitos recentemente por ali no Wikloc, os comentários mais recentes de usuários falam sobre trilhas que se fecharam por falta de manutenção.
Por isso optamos por seguir um roteiro pela orla, começando pela curiosa estátua da Flávia Alessandra na Praia Grande. Aparentemente a cidadã mais ilustre da cidade.
Seguimos até a “Janela do Paraiso” um lugar que eu sinceramente não entendo como ainda é aberto a visita. Eu adoro prédios abandonados e a vista é linda, mas o caminho é cheio de buracos e claramente tem risco de desabar, acho que só vão fechar quando acontecer um acidente mais grave. Além do mais queria muito saber o que era aquele edifício, embora estivesse cheio de turistas não tinha nenhuma placa sobre.
Subimos mais até o topo do mirante, que dá uma vista incrível do belíssimo mar azul de Arraial. Tentamos continuar seguindo o caminho, mas não conseguimos porque uma pousada FECHOU UM TRECHO DA TRILHA, sim um prédio particular tampou a única rota pra contornar a costa. Precisamos descer até a avenida mais próxima por uma área de mato fechado e dar a volta.
Subimos de novo até o Mirante do Pontal de Atalaia que tem uma vista panorâmica e é um ponto ótimo pro avistamento de baleias no inverno. A infraestrutura é bem legal com bancos e uma luneta de observação, quando fomos estava satisfatoriamente vazio.

Andamos mais um pouco até avistarmos a Praia dos Anjos, nesse dia os barcos não partiram por causa do vento e estavam todos ancorados no cais.
Terminamos a caminhada no Museu Oceanográfico, o único museu da região, mantido pela marinha. A entrada custa R$8 e vale super a pena, é pequeno, mas a coleção é bem interessante e fala bastante sobre a formação geológica da região.
Lá também é explicado por que a água do mar de Arraial do Cabo é tão GELADA. Não to falando gelada como o litoral aqui de São Paulo, aquilo supera até mesmo as praias do sul. Admiro os corajosos com iniciativa de pular naquele mar.
E o motivo é o mesmo da água ter o tom de azul tão lindo, os ventos criam um fenômeno chamado ressurgência onde as águas profundas são jogadas pra superfície. Isso torna o mar límpido e a região perfeita para a prática de mergulho, mas também a deixa incrivelmente gelada.

Por último queria indicar o único lugar que comemos na cidade que foi o Cantinho do Pastel, é um pouco caro, mas o melhor pastel de pizza que já comi. Eles têm o maravilhoso ADICIONAL DE AZEITONA, eu amo azeitona então a opção de atochar um pastel com o máximo de azeitona possível me deixou muito feliz.
Cabo Frio
Ao lado de Arraial fica a cidade de Cabo Frio. Essa bem maior e com mais infraestrutura geral, o centro possui uma feirinha de artesanato, barraquinhas de comida e uma ciclovia na orla. A cidade possuí o clássico paredão de prédios beira mar, todos vazios na baixa temporada.
Ilha do Japonês
Um dos lugares mais famosos da cidade de Cabo Frio é o encontro da Laguna de Araruama com o mar, no meio dessa existe uma pequena ilha, onde dependendo da maré é possível chegar a pé, chamada Ilha do Japonês.
É bastante irônico, mas embora seja um dos pontos mais famosos da cidade chegar até lá de ônibus é basicamente um desafio de resistência, o ônibus mais próximo é o 329, e ele ainda assim fica há pelo menos 2km e não funciona de domingo (funciona o 328, que para ainda mais longe). Como saímos de Arraial ida e volta até lá totalizou 5 horas de transporte, me senti novamente em São Paulo (péssimas memórias).
Além a Lagoa, também aproveitamos pra caminhar nos arredores. Fizemos uma trilha atravessando as salinas e a restinga até a Praia Brava (onde estava tendo um campeonato de Body Surf).

Infelizmente no dia a maré alta não permitiu seguirmos pela orla, então demos a volta e subimos até o Farol da Lajinha, um ponto ótimo com uma vista 360° de Cabo Frio coroado pela vegetação local.

Um pouco antes da subida ao Farol fica um recuo de pedras, uma formação curiosa construída ao longo de milhares de anos do mar batendo contra as pedras. É um lugar um pouco escondido, mas que achei magnifico, o chão é forrado de pedrinhas diferentes.

Por último descansamos na prainha do Japonês, sinceramente não gostei tanto da praia em si, ela é linda, mas muito lotada, ao lado de um atracadouro de iates e cheia de jet skies e música alta, isso na baixa temporada.
Mas no final valeu a pena ficarmos por lá, pois voltando vimos UM PINGUIM relaxando na lagoa. Ficamos com medo que ele fosse atingido pelos Jet-skis e avisamos a policia ambiental da sua presença, espero que ele tenha ficado bem.

Museu do Surf
No centrinho, ao lado da feira de artesanato fica o Museu do Surf, ele tem entrada gratuita. Esse foi sem dúvida um dos lugares que mais curti visitar em Cabo Frio, pois ele conversa totalmente com meu ideal de viajar pra conhecer coisas únicas.
Não se trata somente de um museu, mas da coleção de peças adquiridas pelo senhor Telmo Moraes, falecido em 2018. Telmo era um apaixonado pelo surf e ao longo de sua vida conseguiu pranchas do mundo inteiro.
Cada uma das dezenas de peças do museu tem um bilhete escrito a mão por ele contando a história de cada prancha. O espaço vai muito além uma mera exposição, mas registra uma vida dedicada a um esporte e as conexões construídas através dele. Vale muito a visita e merece um tempo pra ser apreciado com calma.

Esse foi um breve resumo dos nossos dias de exploração e várias frustações que tivemos em Arraial do Cabo.
O parco sistema de transporte realmente frustrou nossos planos. Gostaríamos de ter conhecido a Lagoa Vermelha de Araruama por exemplo, assim como várias outras cidades da região e apenas não foi possível.
Também havia planejado fazer o clássico passeio de barco por Arraial. Infelizmente a única empresa cuja proposta era oferecer passeios mais tranquilos, sem música alta, open bar etc. Teve um imprevisto e cancelou um dia antes, a sorte também não estava muito do nosso lado esse mês.
Queremos voltar futuramente de carro pra percorrer essa área e conhecê-la como ela merece ser apreciada.
Agora arrumamos nossas malas rumo a um curto fim de semana no Rio de Janeiro. Com muita logística consegui encaixar a última turnê do Gilberto Gil na nossa programação de viagem, estamos animados e mortos de cansados.
Também precisei encaixar nesse planejamento uma passagem por São Paulo pra organizar algumas coisas e despachar as muambas que certamente conseguiremos na gigantesca Feira da Praça XV.
E nossa próxima parada oficial é a pequena Mangaratiba.







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